segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os fantasmas


Os fantasmas


Esta coisa de escrever crónicas “é um jogo permanente entre o estilo e a 
substância”. Uma luta entre “o deboche estilístico” do gozo da escrita e “a frieza 
analítica” do pensamento do cronista. Por isso, enquanto cidadão, só posso ver 
este governo como uma verdadeira praga bíblica que caiu sobre um povo que o 
não merecia. Mas, enquanto cronista, encaro- o como uma dádiva dos céus, um
maná dos deuses, “um harém de metáforas”, uma verdadeira girândola de
piruetas estilísticas.


Tomemos como exemplo o ministro Gaspar. Licenciado e doutorado em
Economia, fez parte da carreira em Bruxelas onde foi director do Departamento
de Estudos do BCE. Por cá, passou pelo Banco de Portugal, foi chefe de gabinete
de Miguel Beleza e colaborador de Braga de Macedo. É o actual ministro das
Finanças. Pois bem. O cronista olha para este “talento” e que vê nele? Um
retardado mental? Uma rábula com olheiras? Um pantomineiro idiota? Não me
compete, enquanto cidadão, dar a resposta.


 Mas não posso deixar de referir a reacção ministerial à manifestação de 15 de Setembro que, repito, adjectivava os
governantes onde se inclui o soporífero Gaspar, como “gatunos, mafiosos,
carteiristas, chulos, chupistas, vigaristas, filhos da puta”. Pois bem. Gaspar
afirmou na Assembleia da República que o povo português, este mesmo povo
português que assim se referia ao seu governo, “revelou-se o melhor povo do
mundo e o melhor activo de Portugal”! Assumpção autocrítica de alguém que
também é capaz de, lucidamente, se entender, por exemplo, como um “chulo” do
país? Incapacidade congénita de interpretar o designativo metafórico de “filhos
da puta”? Não me parece. Parece- me sim um exercício de cinismo, sarcástico e
obsceno, de quem se está simplesmente “a cagar” para o povo que protesta.


A ser assim, julgo como perfeitamente adequado repetir aqui uma passagem de um
texto em forma de requerimento “poético” de 1934. Assim: “A Nação confiou- -
lhe os seus destinos?... / Então, comprima, aperte os intestinos. / Se lhe escapar
um traque, não se importe… / Quem sabe se o cheirá- lo nos dá sorte? / Quantos
porão as suas esperanças / Num traque do ministro das Finanças?... / E quem
viver aflito, sem recursos / Já não distingue os traques dos discursos.”


Provavelmente o sr. ministro desconhecerá a história daquele gajo que era tão
feio, tão feio, que os gases andavam sempre num vaivém constante para cima e
para baixo, sem saber se sair pela boca se pelo ânus, dado que os dois orifícios
esteticamente se confundiam. Pois bem. O sr. ministro é o primeiro, honra lhe
seja concedida, que já confunde os traques com os discursos. Os seus. Desta vez,
o traque saiu-lhe pelo local de onde deveria ter saído o discurso! Ou seja e
desculpar-me-ão a grosseria linguística, em vez de falar, “cagou-se”. Para o povo
português. Lamentavelmente.Outro exemplar destes políticos que fazem as delícias de um cronista é Cavaco 
Silva. 

Cavaco está politicamente senil. Soletra umas solenidades de circunstância, 

meia-dúzia de banalidades e, limitado intelectualmente como é, permanece
“amarrado à âncora da sua ignorância”. Só neste contexto se compreende o
espanto expresso publicamente com “o sorriso das vacas”, as lamúrias por uma
reforma insuficiente de 10 mil euros mensais, a constante repetição do “estou
muito preocupado” e outros lugares-comuns que fazem deste parolo de
Boliqueime uma fotocópia histórica de Américo Tomás, o almirante de Salazar. Já
o escrevi aqui várias vezes. Na cabeça de Cavaco reina um vácuo absoluto. Pelo
que, quando fala, balbucia algumas baboseiras lapalicianas reveladoras de quem
não pode falar do mundo complexo em que vivemos com a inteligência de um
homem de Estado. Simplesmente porque não a tem. 


Cavaco é uma irrelevância de quem nada há a esperar, a não ser afirmações como a recentemente proferida
aquando das comemorações do 5 de Outubro de que “o futuro são os jovens
deste país”! Pudera! Cavaco não surpreenderia ninguém se subscrevesse por
exemplo a afirmação do Tomás ao referir- se à promulgação de um qualquer
despacho número cem dizendo que lhe fora dado esse número “não por acaso
mas porque ele vem não sequência de outros noventa e nove anteriores…” Tal e
qual. 


Termino esta crónica socorrendo- me da adaptação feliz de um aforismo do
comendador Marques de Correia e que diz assim: “Faz de Gaspar um novo
Salazar, faz de Cavaco um novo Tomás e canta ó tempo volta para trás”. É que só
falta mesmo isso. Que o tempo volte para trás. Porque Salazar e Tomás já os
temos por cá.
P.S.: Permitam-me a assumpção da mea culpa. Critiquei aqui violentamente José
Sócrates. Mantenho o que disse. Mas hoje, comparando-o com esse garotelho
sem qualquer arcaboiço para governar chamado Passos Coelho, reconheço que é
como comparar merda com pudim. Para Sócrates, obviamente, a metáfora do
pudim. Sinceramente, nunca pensei ter de escrever isto.


Luís Manuel Cunha

Professor

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