sábado, 22 de setembro de 2012

A arte de amar


                 A ARTE DE AMAR
Será o amor uma arte? Se o for, então exige conhecimentos e esforço. Ou será o amor é uma sensação agradável, que por acaso experimentamos, algo que “nos acontece” se tivemos sorte? Partamos do princípio que parte da primeira premissa, embora não haja duvida que a maioria das pessoas hoje em dia acredita nesta última.
Não é que as pessoas pensem que o amor não é importante. Elas estão sequiosas de amor; veem inúmeros filmes sobre histórias de amor felizes e infelizes, ouvem centenas de canções ”lamechas” sobre amor – e contudo quase ninguém acredita que é preciso aprender seja o que for sobre o amor.
Esta estranha atitude baseia-se em diversas premissas que, isoladas ou em conjunto, tendem a confirma-la. A maioria das pessoas encara o problema do amor como uma questão de se ser amado, e não de amar, da capacidade de amar. Daí que, para elas, o problema consinta em como ser amado, como ser amável. Para atingir este objetivo seguem diversos caminhos. Um deles, que é utilizado sobretudo por homens, é ter sucesso, ser tão poderoso e rico quanto o permite os limites sociais do seu estrato. Outro, usado sobretudo por mulheres, é tornar-se atraente, cultivando o corpo, o vestuário, etc.. Outros meios de se tornar atraente, e que é usado tanto por homens como por mulheres, são o cultivo de boas maneiras e conversas interessantes, o ser útil, modesto e inofensivo. Muitos dos meios usados para se ter sucesso, para” fazer amigos e influenciar pessoas”. Na verdade, o que a maior parte das pessoas da nossa cultura entende como ser amável é uma mistura de ser popular e ser atraente.
Uma segunda premissa por trás da atitude que defende que não há nada aprender sobre o amor é a suposição que o problema do amor é o problema de um objeto, e não o problema de uma faculdade. As pessoas que amar é simples, mas que encontrar o objeto do amor certo – ou ser amado pela pessoa certa – é o mais difícil. Esta atitude tem diversas razões, que estão enraizadas no desenvolvimento da sociedade moderna. Uma das razões é a grande mudança que teve lugar no seculo xx em relação à do “objeto amor”. Na época vitoriana, como em muitas culturas tradicionais, o amor era raramente visto como uma experiencia pessoal espontânea que poderia, posteriormente, conduzir ao casamento. O casamento era regulado pela convenção – quer pelas famílias de cada um, quer por um casamenteiro, ou mesmo com a ajuda de qualquer intermediário; era resolvido tendo em conta questões sociais, e o amor era suposto desenvolver-se quando o casamento estivesse consumado.
 Para as gerações mais recentes, o conceito de amor romântico tornou-se, no Ocidente, quase universal. Nos Estados Unidos, embora as preocupações sociais não tenham desaparecido totalmente, as pessoas estão, na sua maioria, à procura do “amor romântico”, da experiencia pessoal de amor que conduz ao casamento. Este novo conceito de liberdade no amor deve ter contribuído para o aumento da importância do objeto do amor em relação à sua função.
Intimamente relacionada com este fator está outra característica da cultura contemporânea. Toda a nossa cultura se baseia no apetite pelo consumo, na ideia de um comércio mutuamente favorável. A felicidade do homem moderno consiste no encanto de olhar para as montras, e de comprar tudo o que possa, a pronto ou aprestações. E ele olha para as pessoas de um modo semelhante. Para um homem, uma mulher atraente (e para uma mulher, um homem atraente) é um premio a conquistar. “Atraente” normalmente significa alguém que possui um conjunto apreciável de qualidade que são populares e estão em alta no mercado da personalidade. O que torna uma pessoa especificamente atraente, tanto física como mentalmente depende da moda da época. Nos anos 20, uma mulher que fumasse e bebesse, que fosse ao mesmo tempos dura e sensual, era considerada atraente; hoje em dia a moda exige mais domesticidade e mais pudor.
No final do seculo XIX e o início do seculo XX um homem tinha de ser agressivo e ambicioso, enquanto hoje em dia tem que ser sociável e tolerante, para ser considerado um “produto” atraente. De qualquer modo, a paixão desenvolve-se normalmente apenas em relação aos produtos humanos que estão ao nosso alcance comercial. Se eu quiser fazer negocio, o objetivo deve ser desejável do ponto de vista do seu valor social, e ao mesmo tempo deve desejar-me a mim, tendo em conta as minhas qualidade e potencialidades, visíveis e ocultas. Assim sendo, duas pessoas apaixonam-se quando sentem que descobriram o melhor produto disponível no mercado, tendo em conta as limitações do seu próprio valor comercial. Tal como acontece na compra de imoveis, são muitas vezes as potencialidades ocultas a ser desenvolvidas que têm um grande peso neste negócio. Numa cultura na qual prevalece uma orientação comercial, e na qual o sucesso que as relações amorosas sigam os mesmo padrões que regem o mercado comercial e o mercado de trabalho.
O terceiro erro que nos leva a presumir que não há nada a aprender sobre o amor tem a ver com o facto de se confundir experiencia inicial de se apaixonar com o estado permanente de estar apaixonado. Quando duas pessoas que não se conheciam – e no fundo todos somos desconhecidos – de repente deixam abater a barreira que os separava e se sente próximos, se sentem como se fossem um só, este momento de unidade é uma das experiencias mais deliciosas e mais excitantes que existe. E é muito mais espantoso e miraculosas param aqueles que tenham estado à parte isolados, sem amor. O milagre da intimidade súbita é muitas vezes facilitada se tiver inicia e for combinado com a atração e a consumação sexual. Contudo este tipo de amor é, pela própria natureza, pouco duradouro.
As duas pessoas começam a conhecer-se bem e a sua intimidade perde cada vez mais o seu caracter miraculoso, até que os antagonismos, as desilusões e o tédio naturalmente acabam com o pouco que resta da excitação inicial. Mas no princípio no princípio elas não sabem disto; na verdade, tomam a intensidade da paixão, este estar “louco” pelo outro, como prova da intensidade do seu amor, quando pode ser uma prova da solidão em que antes viviam.
Esta atitude de que nada é mais fácil do que amar tem continuado a ser a mais comum em relação ao amor, apesar de haver muitas provas do contrário. Há poucas atividades ou empreendimentos que comecem com esperanças e expectativas tão elevadas e que fracassem tão frequentemente como o amor. Se isto se passasse com qualquer outra atividades pessoas estariam ansiosas por descobrir as razões do fracasso e por aprender a fazer melhor – ou, então desistir da atividade. Já que esta ultima alternativa é impossível no caso do amor, parece que só há uma maneira de ultrapassar o fracasso do amor – analisar as razões deste fracasso e estudar o significado do amor.
O primeiro passo a dar é ter consciência de que o amor é uma arte, tal como a vida é uma arte; se queremos aprender a amar temos de fazer o que faríamos se quiséssemos aprender qualquer arte, Como a música, a pintura, a carpintaria, ou a arte da medicina e da engenharia. Que medidas são necessárias para aprender uma arte? O processo de aprender uma arte pode ser dividido convenientemente em duas partes: uma, o domínio da teoria, e a outra, o domínio da prática. Se quero aprender a arte da medicina, devo primeiro conhecer os factos sobre o corpo humano e sobre as diversas doenças. Ter todo este conhecimento teórico não significa que eu seja competente na arte da medicina. Só serei um mestre desta arte depois de muita prática, até que os resultados do meu conhecimento teórico e os resultados da minha prática se transformem em uma só coisa – em intuição, a essência da mestria de qualquer arte. Mas, para além de apender a teoria e a prática, é preciso um terceiro elemento para se ser um mestre em qualquer arte- à mestria da arte deve ser o mais elevado dos objetivos, e nada no mundo pode ser mais importante do que a arte. Isto é verdade para a música, para a medicina, para a carpintaria – e para o amor. E talvez esteja aqui a resposta para a questão de saber porque é que as pessoas na nossa cultura estão tão pouco interessados em a prender esta arte, apresar dos fracassos óbvios. Apesar de uma profunda carência de amor, considera-se que quase tudo é mais importante do que o amor: o sucesso, o prestígio, o dinheiro, o poder – quase toda a nossa energia é utilizada a aprender atingir esses objetivos, e quase nenhuma é utilizada a aprender a arte de amar.
Será que apenas se considera importante aprender aquilo que nos permitirá ganhar dinheiro ou prestigio, e que o amor, que só tem “valor” para a alma, mas que, no sentido moderno, não tem valor, é considerado um luxo com o qual não temos direito de gastar muita energia?

Erich Fromm

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